Comunicação em evento científico
O poder local e o desenvolvimento do território em Portugal: representação política, liderança e estratégias de atração em tempos de crise
Título Evento
Fórum Pesquisas do CIES
Ano (publicação definitiva)
2016
Língua
Português
País
Portugal
Mais Informação
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Abstract/Resumo
O mundo rural português já em nada se assemelha ao descrito na literatura, particularmente nas obras neorrealistas de Alves Redol, Fernando Namora e mesmo de José Saramago (Almeida, 2012). Simplesmente porque as pessoas já não estão lá. O despovoamento tornou-se uma realidade na maior parte do território nacional, o que, em nome da racionalização dos serviços públicos, deixou muitos territórios desprotegidos e aumentou as desigualdades de acesso a serviços e a condições mínimas de sobrevivência. As próprias cidades sofrem com a desertificação das suas zonas históricas, nas quais as intervenções no sentido da revitalização têm de ser alvo de debate e criação de novas linhas de orientação. Estas situações só podem ser abordadas com políticas públicas ativas e centralizadas que estimulem, se não a reversão da tendência, pelo menos alguma vitalidade e que não seja apenas sazonal. E com a aplicação de estratégias concertadas, não para reviver a Questão Agrária e as seculares tentativas para fixar as populações em meio rural e tornar o país autossuficiente em termos alimentares, o que já não faz sentido num mundo globalizado, mas para fornecer às populações que ainda residem fora das grandes cidades a qualidade de vida necessária para haver pelo menos uma situação de igualdade entre os cidadãos de todo o território. A definição destas políticas parte necessariamente das estratégias locais, escolhidas de acordo com os interesses de cada território e das populações residentes. Para tal, é fundamental a ação dos cidadãos locais, cuja participação nos processos de decisão tem de ser estimulada, não só a nível da administração autárquica, como no desenvolvimento de novas estratégias económicas e sociais para o bem do desenvolvimento do próprio território e das condições de vida das populações. O regime democrático em Portugal instituiu a descentralização administrativa e reforçou o poder local. Nas últimas quatro décadas de eleições regulares e concorrência partidária vários aspetos positivos foram alcançados, mas também muitos comportamentos pouco democráticos e transparentes foram-se instalando e corrompendo o sistema. Um deles manifestou-se na longevidade com que grande parte dos presidentes permaneceu no cargo. Outro foi a escolha dos candidatos baseada no percurso partidário e em carreiras políticas mais amplas que em nada beneficiam os interesses locais, nem o exercício da Democracia. Verificou-se uma associação negativa entre o número de mandatos consecutivos dos presidentes de câmara e o uso dos tipos de mecanismos participação. A excessiva permanência no poder foi prejudicial para o fomento da participação cidadã, o que confirma o défice democrático e a falta de responsabilização destes autarcas, já que a participação dos cidadãos é intrinsecamente importante para melhorar a qualidade da democracia local (Tavares, Rodrigues, 2013). O problema da longevidade foi resolvido com a legislação que limitou os mandatos a três. Nas eleições de 2013, foram eleitos 195 novos presidentes de câmara (63%). Colocam-se então as questões: estes novos eleitos serão mesmo um novo grupo, tal como se verificou em 1974 com a substituição praticamente total dos presidentes das câmaras (Almeida, 2013)? Ou, pelo contrário, o que terá contribuído para a manutenção das mesmas caraterísticas dos novos eleitos em relação aos antigos? No que diz respeito à importância dos partidos a nível local, a partir das eleições de 2001 foi possível apresentar candidaturas independentes, baseadas em grupos de cidadãos. No entanto, a sua expressão desde essa data foi muito reduzida. As caraterísticas dos eleitos fora do domínio dos partidos revelaram a sua reduzida independência e resumem-se a candidatos maioritariamente eleitos em concelhos com caraterísticas rurais e afastadas do poder central. Até que ponto estas candidaturas alargam os direitos e oportunidades dos cidadãos e a sua capacidade de influenciar e participar no processo de decisão local? Durante uma das piores crises económicas que Portugal enfrentou nas últimas décadas, com uma enorme dívida externa para liquidar, assiste-se, como consequência, a uma crise de legitimação do próprio regime democrático, já que os cidadãos nestas situações avaliam de forma negativa o desempenho das instituições democráticas e consideram existir um défice democrático. A insatisfação com os regimes democráticos (Przeworski, 2010) que se traduz em crise da democracia, declínio na participação política, falta de confiança nos partidos e nos políticos e alheamento em relação à política e às instituições democráticas, assim como a consciência da corrupção no setor público (Belchior, 2015), grande abstenção e fraca participação em sindicatos (Schmitter, 2015), pode resultar numa cidadania mais ativa e melhorar o desempenho das instituições democráticas. Entre 2002 e 2009 Portugal era o país da Europa que se mantinha mais abaixo da linha de satisfação (Norris, 2011). E, segundo o Eurobarómetro, houve um decréscimo da satisfação com a democracia enquanto forma de governo entre 2006 e 2013 em quase todos os países europeus, incluindo Portugal. As situações de exclusão agravaram o problema: considerando que as desigualdades sociais e a pobreza resultam em participação política assimétrica e desigualdades políticas, o que já se comprova há vários anos com o aumento da abstenção, verifica-se uma deterioração da qualidade da democracia (Merkel, 2014). No caso do poder local estes fatores são propícios ao surgimento de candidaturas de grupos de cidadãos eleitores (GCE), cujo papel deveria ser determinante para satisfazer as necessidades desses mesmos cidadãos que estão descontentes com todo o funcionamento atual da democracia. Tendo em conta que os GCE contribuem para o aumento da participação eleitoral dos cidadãos e diminuem a abstenção (Freire, Martins, Meirinho, 2012), o estudo e acompanhamento deste fenómeno é prioritário neste projeto. As questões da falta de transparência e da corrupção também contribuem para a construção da imagem negativa do poder local. Têm sido recorrentes os processos em tribunal e mesmo condenações de alguns autarcas, cujos comportamentos contribuem para a generalização dessa imagem e para o descrédito em relação ao funcionamento das instituições democráticas. Os novos eleitos serão diferentes? Irão trabalhar para melhorar a qualidade da democracia? As eleições de 2013 inovaram ou foram mais do mesmo? Partindo da hipótese de que as elites locais, no contexto alargado de detentores de capital social simbólico (Bourdieu, 1989), são essenciais para promover o desenvolvimento do território, aumentar as capacidades produtivas e estimular as atividades económicas e a criação de emprego, coloco as seguintes questões de investigação: qual o papel o poder local e dos seus representantes eleitos no desenvolvimento sustentável do território e na sua dinâmica? Considerando os problemas do despovoamento e do desemprego, quais as principais estratégias dos políticos eleitos e da sociedade civil para atrair investimento, força de trabalho e financiar a economia local? Quais as diferenças entre os projetos para os municípios rurais e urbanos? Quais os interesses mais enunciados e qual a linguagem usada para as grandes cidades e para os pequenos municípios rurais? Serão os novos presidentes de câmara capazes de cumprir a suas promessas? Qual o impacto da crise económica nas novas propostas políticas e nas ações concretas? Após o estudo dos Presidentes de Câmara e Governadores Civis em Portugal entre 1936 e 2013, que produziu uma base de dados e a análise detalhada destes grupos (Almeida, 2013, 2014), pretende-se analisar os novos presidentes de câmara eleitos em 2013, as suas caraterísticas sociológicas e os seus comportamentos em tempos de crise, comparando com os anteriores e analisando as suas estratégias e políticas. Mais especificamente, serão analisadas as suas mensagens e programas políticos, que serão disponibilizados ao público para análise do trabalho realizado pelos autarcas eleitos e assim contribuir, nas eleições seguintes, para uma escolha informada que irá validar, ou punir, as ações concretas realizadas. O tipo de política proposta e colocada em prática terá impacto na vida das pessoas e dos territórios e a sua concretização influenciará a resolução de problemas reais, assim como o resultado dos atos eleitorais subsequentes. A análise das mensagens políticas tem sido realizada a nível europeu desde 1979 pelo Manifesto Research Group (MRG), dirigido por Ian Budge (Budge, 2001; Klingemann, 2006; Volkens, 2010). Robert Thomson tem vindo a responder à questão: “até que ponto é que os políticos eleitos mantêm as suas promessas feitas aos eleitores durante as campanhas eleitorais?” Apesar de alguns fatores subjetivos contribuírem para uma avaliação por parte dos cidadãos mais negativa do que os resultados das políticas poderiam sugerir (Thomson, 2001, 2011), a avaliação das promessas e dos resultados da ação dos políticos é um fator importante para o processo de decisão dos cidadãos esclarecidos. Em Portugal, esse estudo está a ser realizado no projeto “Public Preferences and Policy Decision-Making. A Longitudinal and Comparative Analysis” (Belchior et al, 2015). Em período de crise económica, foram identificados cinco níveis de abordagem aos principais problemas: 1. Políticas e fundos europeus; 2. Políticas públicas nacionais, legislação e programas partidários; 3. Iniciativas e propostas municipais e regionais (intermunicipais); 4. Associações privadas locais, regionais ou setoriais; 5. Empresas privadas que desenvolvem os seus próprios produtos e serviços, com projetos aplicados diretamente ao mercado local, aproveitando património herdado ou investindo diretamente nas terras, casas ou conhecimentos tradicionais para proporcionar a novos clientes experiências em espaços rurais ou urbanos. Neste projeto enfatizam-se os pontos 3 e 4, não ignorando a importância dos restantes, que também serão abordados. Analisam-se, assim, estratégias, comparam-se padrões e identificam-se viabilidades de políticas públicas e privadas.
Agradecimentos/Acknowledgements
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Palavras-chave
Território, mensagens, programas, despovoamento, desenvolvimento, participação