Comunicação em evento científico
“Organização Do Trabalho Dos Professores: Novos Parâmetros e Atores Com Influência Na Autonomia Profissional”
Alan Stoleroff (Stoleroff, A.); Patrícia Santos (Santos, P.); Daniel Alves (Alves, D.);
Título Evento
2.º Congresso Internacional sobre Condições de Trabalho, Porto, 5-6 Setembro 2013
Ano (publicação definitiva)
2013
Língua
Português
País
Portugal
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Abstract/Resumo
O exercício da profissão docente no sistema público é dependente da evolução das coordenadas político-administrativas que regulam o sistema educativo, em geral, e as condições do trabalho dos professores, em particular. Além disso, a dependência da profissão ao quadro macro-político e organizacional da tutela sujeita a ação dos professores a inúmeros constrangimentos de natureza institucional e a normativos que influenciam os graus da sua “funcionalização” (Estrela, 2001). Mas, no contexto atual, a questão da qualidade da oferta educativa, bem como as restrições orçamentais e, sobretudo, o enquadramento do sistema de ensino público na conhecida “nova gestão pública”, trouxeram à profissão de professor novos parâmetros e introduziram novos atores com influência na sua autonomia. Abordagens gestionárias de regulação e de gestão da profissão docente tomaram lugar e originaram a reformulação do Estatuto da Carreira Docente (2007) e a reconfiguração do Modelo de Gestão e Direção Escolar (2008) que antecederam as atuais pressões da austeridade. Como consequência imediata, a criação de novos mecanismos e o reforço do poder interno dos órgãos dirigentes das escolas impõem um aumento de tarefas administrativas no trabalho diário. A autonomia - entendida como condição para participar na conceção e organização do seu trabalho e como pilar tradicional do seu profissionalismo (Freidson, 2001) - parece ter sido substantivada em procedimentos normativos que modificaram substancialmente o trabalho do professor, inclusive o trabalho pedagógico. Tais reformas trazem normas que tendem à padronização e uniformização da prática em sala de aula que, até então, implicava uma autonomia e “privatismo” derivado, em grande medida, da formação profissional, mas também da complexidade do trabalho que não se presta a quantificações objetivas e previsíveis. De uma aliança entre atores, baseada na confiança e reconhecimento das competências (“raras” e socialmente úteis) dos professores, passa-se para um contrato com a finalidade de atender a exigências externas (Day, 2002) que abre a “caixa-negra” da sala de aula, desvendando as práticas dos professores. Nesta forma de organização do trabalho, os professores são ainda colocados numa longa linha hierárquica interna. Esta tendência introduz uma lógica onde a diferenciação entre professores é o aspeto central (Afonso, 2009), podendo enfraquecer consideravelmente as bases das relações colegiais. Se antes o controlo profissional existia mas era, em grande medida, implícito e informal e sustentado por uma organização colegial, agora um modelo formal ganha importância, reforçando e explicitando as diferenças de prestígio e autoridade. Parece, assim, que a colegialidade está a ser substituída pela vigilância entre pares e que a responsabilização individual, e um sistema de “quotas” e restrições à seleção qualitativa podem forçar a competição entre colegas. Aliado a este cenário, a responsabilização dos professores parece já não se basear, unicamente, na sua adesão aos procedimentos operacionais impostos pela tutela, mas também na avaliação dos seus resultados. Os indicadores de “sucesso” são centralmente determinados e monitorizados e resultam de um trabalho de codificação técnico-administrativa das dimensões envolvidas no processo educativo. A liberdade relativa que os professores exerciam tem sido diluída com os novos enquadramentos que orientam a sua ação? A movimentação dentro de um quadro cada vez mais restrito tem interferência nas condições de trabalho dos professores? Trazemos uma análise que permite verificar se a hierarquização e dependência da gestão vinculada a um mecanismo burocratizado podem colidir com a autonomia na tomada de decisões quanto ao trabalho por parte dos professores. Pretendemos também analisar a transformação das condições de trabalho dos professores decorrentes das mudanças nos limites da sua autonomia em contextos orientados por uma lógica gestionária. Analisamos este tema enfatizando as representações dos professores com base no pressuposto que estas podem influenciar a implementação destes processos políticos. Para tal recorremos aos resultados de um projecto de investigação sobre as identidades profissionais dos professores, especificamente, à análise de questões relevantes de um inquérito por questionário aplicado a uma amostra de professores dos ensinos pré-escolar, básico e secundário de Portugal continental (n=1.872) e de histórias de vida profissional realizadas através de entrevistas semi-directivas a um conjunto de 47 professores do 3.º ciclo do ensino básico e do ensino secundário de quatro concelhos de Portugal. Em termos gerais, encontrámos professores que se sentiram restringidos na sua autonomia profissional e outros que encontraram formas de trabalhar dentro do novo modelo e que têm vindo a assimilar novos discursos e práticas profissionais. Emergiu, através dos discursos explícitos, uma maior propensão para a autonomia por parte dos professores que desenvolvem estratégias de “inconformismo” face à organização de trabalho. Mas, apesar destas diferenciações, confirmamos que estas novas modalidades de organização implicam crescentes limites à autonomia dos professores e revelam crescentes prejuízos nas suas condições de trabalho. Tal situação parece estar na origem de uma recusa generalizada em entender a profissão no âmbito de um mero funcionalismo público, já que a maioria dos professores se afasta subjectivamente da figura de “funcionário”, pondo em destaque as diferenças em termos de conteúdo e de formas de trabalho. É no apelo ao saber “inalcançável” aos restantes atores, exatamente porque cada situação não é antecipável nem prescritível, que os professores se baseiam e procuram legitimar a sua autonomia profissional e não legitimar as políticas e orientações que tendem a restringi-la. A mudança organizacional - que é também económica e política – e que aparece em jeito de “apelo” ao profissionalismo dos professores, parece redefinir as conceções tradicionais do seu profissionalismo (Evetts, 2003). Nesse sentido, a intensidade da recusa dos professores a este sistema reflete, precisamente, o assumir de uma posição de defesa da profissão, procurando resistir ao controlo “externo” sobre a sua atividade profissional e preservar a sua autonomia. No limite, e como efeito perverso, a organização hierarquizada e burocrática que dificulta ou impossibilita a autonomia e predispõe os atores para a rotinização pode subverter ou bloquear os próprios objetivos que motivaram a sua promoção (Stoleroff & Pereira, 2009). Pode ser duplamente contraproducente do ponto de vista dos resultados proclamados: tanto na realização do trabalho, porque os métodos organizacionais burocráticos empobrecem a qualidade do serviço educativo (Ball, 1993), como na própria realização profissional, uma vez que o condicionamento da margem de autonomia dos professores, não compensada pelo reconhecimento moral e material, pode impelir a um círculo vicioso de desinvestimento. Em nome da adaptabilidade às condições de trabalho, o pragmatismo pode forjar um novo perfil de professores, “professores-funcionários” que abrem mão de conquistas profissionais? Palavras-chave: autonomia profissional, professores, medidas gestionárias. Bibliografia Afonso, Almerindo (2009). “Nem tudo o que conta em educação é mensurável ou comparável. Critica à accountability baseada em testes estandardizados e rankins escolares”, Revista Lusófona de Educação, 13, pp. 13-29. Ball, Stephen (1993). “Education policy, power relations and teachers´ work”, British Journal of Education Studies, 2, pp. 106-121. Day, Cristopher (2002). “School reform and transitions in teacher professionalism and identity”, International Journal of Educational Research, 37, pp. 667-692. Estrela, Maria Teresa (2001). “Questões de profissionalidade e profissionalismo docente”, em Manuela Teixeira (org.), Ser professor no limiar do século XXI, Braga, ISET. Evetts, Julia (2003). “The management of professionalism”, em Sharon Gewirtz, Pat Mahony, Ian Hextall & Alan Cribb (eds.), Changing Teacher Professionalism. Routledge, Milton Park. Freidson, Eliot (2001). Professionalism: The Third Logic, London, Polity Press. Stoleroff, Alan & Irina Pereira (2009). “A reforma da carreira docente e conflitualidade profissional: análise da mobilização dos professores e de discursos sindicais”, comunicação apresentada em Contextos educativos nas sociedades contemporâneas, APS/ISCTE, Lisboa.
Agradecimentos/Acknowledgements
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Palavras-chave
autonomia profissional, professores, medidas gestionárias