A comunicação focaliza-se nas reconfigurações de práticas de consumo e estilos de vida das famílias com crianças, tendo por referência um momento de retração das condições sociais e económicas. Este segmento familiar é particularmente sensível no momento de agudização das desigualdades sociais no acesso a bens e a recursos de natureza económica, social e cultural. Contrariando, em parte, algumas das visões – veja-se as abordagens de Ulrich Beck, Anthony Giddens, Zygmunt Bauman – que subavaliam a importância da noção de classes social para explicar alguns dos processos sociais mais relevantes que hoje estamos a viver, o certo é que tomam a classe média como um dos protagonistas mais centrais e implicados em tais transformações. Aqui pretende-se desenvolver um entendimento de “classe média”, em termos dos seus principais traços socioeducacionais e socioprofissionais mais distintivos e tendo por base as suas condições de vida e orientações de consumo. Na revisão deste conceito, torna-se nuclear a identificação dos princípios sociais padronizados de diferenciação estrutural de recursos e oportunidades, como propõe Pierre Bourdieu, nomeadamente no contexto português, onde se conhece e experiencia um período economicamente recessivo e de agravamento de desigualdades. Esta proposta terá como referente empírico os resultados de um inquérito (online) aos rendimentos e consumos das famílias de classe média em Portugal, promovido no CIES-IUL, e desenvolvido no quadro do Projeto “Pensar o futuro e encontrar novas perspetivas para a promoção sustentada do bem-estar e qualidade de vida”. Para a análise em causa procura-se aprofundar as reconfigurações das condições e orientações de vida de famílias com crianças e jovens (com idades inferiores a 21 anos) e, no que respeita a variáveis fundamentais do ponto de vista dessas reconfigurações, poder comparar com famílias sem crianças. Os resultados desta análise apontam para um entendimento de uma classe média que se carateriza pelo seu favorecimento relativo material e simbólico na sociedade portuguesa, pelos consumos que protagonizam, com todas as suas implicações e manifestações nas várias esferas da vida social, profissional e familiar. Apesar de ambos os segmentos em comparação evidenciarem recursos e consumos alargados face à sociedade portuguesa como um todo, as famílias com crianças conheceram um conjunto de restrições mais alargados e intensos do que os restantes. Esta comunicação pretende dar conta ainda de que forma é que tal se manifesta e que valores e orientações têm maior prevalência na economia e vida quotidiana deste segmento.

--

Crise, retraimento de consumos, famílias com crianças