O conceito de cuidado tem sido utilizado em Antropologia para abordar o tratamento de situações de privação e problemas de saúde por vias que incluem a provisão do Estado aos cidadãos mas não se limitam a ela (Benda-Beckmann 1988). Na existência relacional quotidiana, cuidado é referido em sentido lato para descrever processos e sentimentos entre pessoas que cuidam umas das outras em várias dimensões da vida social e que não se encontram necessariamente em situações de carência. Para o ser humano, ser enquanto pessoa significa estar com outros, cuidar e ser cuidado, pressupor um envolvimento prático e emocional. Cuidado é uma disposição motivacional para exprimir ideologias morais do bem e do justo. É portanto frequentemente através da metáfora do "cuidado" que são expressas preocupações morais acerca de uma existência ideal num mundo com desigualdades profundas e pessoas necessitadas. Cuidado tem também um significado moral: assente na atenção e na dedicação ao outro, tem implícito o reconhecimento do outro por relação à própria existência, tornando-se assim um elemento constitutivo do laço social. Tendo em conta este quadro, e focando o caso português, o projecto propõe uma abordagem inovadora que combina o significado de factores económicos com uma ênfase na fenomenologia. Como respondem as pessoas a situações de crise de modo a criarem para si próprias, para aqueles que as rodeiam e para o mundo em que vivem uma existência sustentável? Como expressam ou criam as práticas de cuidado sentimentos de vergonha, cuidado, dependência, compaixão, solidariedade, moralidade, dignidade e auto-estima? Quais os critérios que regem o impulso para cuidar dos outros: nacionalidade, grupo de pares, parentesco ou ideologia? Como se intersectam o "mercado" (os interesses económicos materiais) com interesses como sejam criar um sentimento de pertença, cumprir um dever moral, adoptar uma posição política, responder a um chamamento religioso, acrescentar sentido à própria vida? Portugal atravessa no presente uma ampla situação de crise económica e social que, apesar de similaridades com contextos internacionais, apresenta especificidades quanto ao peso do Estado Providência. Só a partir dos anos 1970 este se começou a expandir, tanto na economia como na sociedade portuguesa em geral, segurança social, educação, pensões de reforma e cuidados de saúde, e a afectar o modo como a família e relações se desenvolveram nas últimas 3 décadas. A situação está a mudar dramaticamente, com índices crescentes de desemprego, baixos rendimentos familiares, uma significativa população imigrante, e uma crescente população idosa que aumenta a pressão sobre um conjunto de serviços sociais, a par do declínio da população nacional. Confrontadas com a diminuição da capacidade dos sistemas estatais de cuidado continuarem a providenciar este apoio, bem como com cortes de financiamento impostos pela crise económica internacional, as pessoas (re)tomam vias informais para lidar com o problema. Este "estado de emergência" estimula por outro lado a criatividade e a inovação, não só na esfera económica mas também social e moral, as quais são facilmente negligenciadas pelos estudos económicos de situações de crise. A abordagem inovadora deste projecto iluminará as dimensões originais e criativas emergentes em três domínios: 1) relações interpessoais e redes familiares; 2) instituições não-governamentais prestadoras de cuidados; 3) instituições estatais. O cuidado torna-se assim um factor de sustentabilidade económica (provendo a pessoas necessitadas); e de sustentabilidade emocional (bem-estar). As sociedades entram agora numa conjuntura em que a iniciativa pessoal, imbuída da moralidade do "cuidado" e do bem comum, se torna central. As relações interpessoais e as relações motivadas por sentimentos e ideais de bem geral são portanto centrais para a reprodução do futuro do sistema social mundial de mercado económico global em que vivemos. Com este ambicioso estudo etnográfico comparativo, procura-se contribuir para o conhecimento do modo como as práticas informais suportam a economia (sem as separar conceptualmente), como as pessoas se integram em sistemas formais e informais de cuidado e como estas estratégias se tornam eficazes e eficientes. Também importante é evitar uma visão demasiado harmoniosa dos sistemas sociais de cuidado. A nossa abordagem permitirá estudar de perto situações em que um cuidado institucional ou informal é esperado mas retirado ou recusado e em que as expectativas de cuidadores e destinatários de cuidados estão desencontradas ou não coincidem. Investigando as micro-dinâmicas das práticas de cuidado, elucidando tensões, divergências e convergências, o objectivo central é providenciar aos profissionais de ciências sociais e aos decisores os principais desenvolvimentos em filosofia moral, ética, inovação social e práticas na questão cada vez mais relevante do cuidado.
Centro de Investigação | Grupo de Investigação | Papel no Projeto | Data de Início | Data de Fim |
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CRIA-Iscte | Quotidianos, Políticas e Desigualdades | Líder | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
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Nome | Afiliação | Papel no Projeto | Data de Início | Data de Fim |
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Antónia Lima | Professora Associada (com Agregação) (DA); Investigadora Integrada (CRIA-Iscte); | Investigadora Responsável | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Afonso Bento | Investigador Integrado (CRIA-Iscte); | Investigador | 2015-06-01 | 2015-07-31 |
Catarina Frois | Professora Associada (com Agregação) (DA); Investigadora Integrada (CRIA-Iscte); | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Fernanda Maria Rivas de Oliveira | Investigadora Associada (CRIA-Iscte); | Investigadora | 2013-05-01 | 2015-07-31 |
Filipa da Mota Alvim de Carvalho | -- | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
José Mapril Gonçalves | -- | Investigador | 2012-02-01 | 2012-11-30 |
Margarida Maria Moz Fernandes de Sá | -- | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Cristina Santinho | Investigadora Integrada (CRIA-Iscte); | Investigadora | 2013-04-12 | 2015-07-31 |
Maria Manuel Correia de Lemos Quintela | Investigadora Integrada (CRIA-Iscte); | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Miguel Vale de Almeida | Professor Catedrático (DA); Investigador Integrado (CRIA-Iscte); | Investigador | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Paula Christofoletti Togni | -- | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-03-01 |
Vanda Aparecida da Silva | -- | Investigadora | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
Código/Referência | DOI do Financiamento | Tipo de Financiamento | Programa de Financiamento | Valor Financiado (Global) | Valor Financiado (Local) | Data de Início | Data de Fim |
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PTDC/CS-ANT/117259/2010 | -- | Contrato | Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. - PTDC/2010 - Portugal | 74140 | 74170 | 2012-02-01 | 2015-07-31 |
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