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Capucha, L. & Gomes, M. (2016). Tauramaquia, cultura com sabor de festa. In Marluci Menezes, José Delgado Rodrigues, Dória Costa (Ed.), Congresso Ibero-Americano "Património, suas Matérias e Imatérias" : livro de resumos. Lisboa: LNEC.
L. M. Capucha and M. Gomes, "Tauramaquia, cultura com sabor de festa", in Congr.o Ibero-Americano "Património, suas Matérias e Imatérias" : livro de resumos, Marluci Menezes, José Delgado Rodrigues, Dória Costa, Ed., Lisboa, LNEC, 2016
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TY - CPAPER TI - Tauramaquia, cultura com sabor de festa T2 - Congresso Ibero-Americano "Património, suas Matérias e Imatérias" : livro de resumos AU - Capucha, L. AU - Gomes, M. PY - 2016 CY - Lisboa AB - É inquestionável a presença do Toiro e da Cultura Tauromáquica em Portugal. Independentemente das preferências pessoais ou de grupos, bem como do peso desigual dessa Cultura nas diferentes regiões do país, essa presença é um dado de facto, que merece ser considerado e estudado como qualquer outro facto cultural. Os rituais taurinos envolvem à volta de 230 espetáculos em 82 Praças de Toiros e 1019 festejos de rua em 87 concelhos do país, envolvendo no conjunto cerca de um milhão e quinhentas participantes. Naturalmente, esta presença permitiu a constituição de um património material vasto e variado, que inclui desde logo o património genético do animal que é o centro da Festa de Toiros, o toiro bravo, fruto de uma seleção com séculos de dedicação dos ganaderos e dos maiorais de um animal com características únicas. Animal criado num ambiente ecologicamente protegido, no qual também encontram acolhimento outras espécies animais que beneficiam do mesmo habitat e sistemas agro-pecuários, como o montado, de grande valor estratégico. Com a vantagem adicional de, em equilíbrio com a natureza, se tornar possível uma atividade económica viável que sustenta dezenas de milhares de empregos. O património material da cultura tauromáquica inclui ainda as praças de toiros, com a sua arquitetura característica, embora diversificada, monumentos, tertúlias, clubes taurinos e uma infinidade de objetos de coleção como trajes de tourear, instrumentos de uso no campo e nas praças, estruturas típicas formadas por tranqueiras e bancadas utilizadas em diversos festejos populares, cartazes, pinturas, estátuas e peças musicais, museus, coleções e espólios da rica iconografia, adereços e instrumentos utilizados nos jogos taurinos. Já o património imaterial é constituído pelos sistemas de relações sociais e simbólicas presentes nas diversas manifestações do encontro ancestral entre homens e toiros. Esses sistemas incluem, por um lado, as tauromaquias populares, caracterizadas pela diversidade de formas, pelos ambientes dionisíacos em que se desenrolam, pela regulação subtraída ao controlo do Estado e assumida pelas comunidades locais, pelas regras ditadas pela tradição, pela ocorrência dos rituais taurinos nas ruas e em espaços públicos devidamente adaptados, nos quais o povo, que nelas se reconhece como princípio identitário, é o protagonista maior. Encontram-se em Portugal Festas taurinas populares únicas, como a Capeia Raiana do concelho do Sabugal, a Tourada à Corda dos Açores e a “Vaca das Cordas” de Ponte de Lima, e outras que se encontram, de forma mais ou menos alterada, noutros países, como as esperas e largadas de toiros, as touradas à vara larga, as vacadas, pamplonas ou garraiadas, que no conjunto ocupam as regiões do Alentejo, do Ribatejo, do Oeste e da Grande Lisboa. Incluem-se ainda neste conjunto os sacrifícios taurinos na Margem Esquerda do Guadiana, bem como um grande conjunto de outras manifestações taurinas como festas camperas, ferras, picarias, demonstrações e aulas de toureio. Registam-se ainda rituais taurológicos nos quais o homem não enfrenta o toiro diretamente, ou por que o animal é simulado, como é o caso da vaca de fogo, ou porque a luta é entre dois animais, como é o caso da chega de bois das terras de Barroso. Cada um destes rituais encerra significados próprios, que remetem para as comunidades que os realizam. Porém, na transição do antigo regime para a modernidade, o Estado-nação estendeu a sua atuação a este tipo de festas populares, domesticando-as, controlando-as e submetendo-as à forma de espetáculos regulados pela Lei e pelas autoridades do Estado, realizados em recintos especializados e nos quais atuam principalmente profissionais, organizados de forma fortemente especializada e hierarquizada. Nos espetáculos taurinos atuam cavaleiros tauromáquicos, forcados e matadores de toiros, acompanhados pelos seus subalternos e estruturas de apoio, que se foram estruturando enquanto campo de relações em que se encontram e se disputam figuras que foram estabelecendo as regras do toureio profissional, depurando estilos, fazendo evoluir a técnica e a estética do toureio, segundo um princípio apolínio de prevalência da razão sobre a emoção e da geometria inteligente sobre a força bruta. O respeito diversidade de formas, de significados e de estilos artísticos da Festa de Toiros relevam de um valor central da Tauromaquia, o do apego à liberdade, ao respeito pela opinião alheia e à democracia cultural. Esse é um traço que une o sistema comunicacional que constitui esta Festa. Outro é o modo apaixonado como ela é vivida por pessoas que nelas projetam os seus sentimentos, a começar pelo amor ao toiro. Mais profundamente, a cultura tauromáquica constitui uma linguagem que integra duas dimensões constitutivas de todo o espírito humano, a dimensão apolínea, da razão, do controlo emocional, do uso da inteligência, e a dimensão dionisíaca das emoções, dos excessos, do pulsar da vida. Estes dois princípios encontram nos conceitos taurinos de “verdade” e “sorte” a sua expressão específica, e remetem para a dialética entre a consciência da finitude ditada pela morte, e a celebração da vida de forma intensa e plenamente vivida. Outro traço cultural comum a todo o universo taurino passam pela conciliação entre o valor atribuído ao mérito individual, expresso no modo como cada artista, grupo ou comunidade interpreta a sua função, como controla e vence o seu próprio medo, e se impõe na competição com os seus pares, e o valor da solidariedade, da amizade, da partilha. A cultura tauromáquica valoriza ainda a bravura, a entrega, a capacidade de lutar até ao fim, que por seu lado convoca a coragem e a ética de respeito pelo adversário/cúmplice dos que têm o valor suficiente para os enfrentar segundo as regras que permitem burlar o perigo e a morte e exaltar a vida. ER -