A questão do valor e da sua mensurabilidade foi sempre um tópico fundamental na história do pensamento económico e, em particular, no campo da economia da cultura. Face às profundas transformações das sociedades contemporâneas e ao desenvolvimento do capitalismo cognitivo-cultural, novos desafios surgem à análise da criação de valor, tanto de forma geral, como especificamente no campo das atividades intensivas em conhecimento simbólico e estético, como são as atividades culturais e artísticas. Estas atividades, que têm os seus mecanismos particulares de criação de valor, ligados a processos específicos de intermediação e de gatekeeping, são igualmente reconhecidas pelas fortes assimetrias na informação e no capital cultural e social necessários para as complexidades e as particularidades dos processos de codificação e descodificação de significado nestas atividades, os quais são naturalmente imanentes à criação de valor. Com a crescente interpenetração destas atividades e dos conteúdos estéticos e simbólicos nas restantes esferas da economia, o capitalismo cognitivo-cultural atual é marcado por novas formas de produção, consumo e mediação cultural, as quais desafiam fortemente a análise do valor da cultura, bem como a forma como podemos ver e avaliar os impactos das atividades culturais. Por outro lado, os impactos das atividades culturais nos territórios e nas comunidades onde estas se desenvolvem são frequentemente subestimados, e os exercícios de avaliação têm dificuldades em incluir a diversidade de valor(es) (e de perceções sobre o valor) gerados por essas atividades, nomeadamente ao nível das diversas dimensões através das quais estas atividades contribuem para o desenvolvimento sustentável, designadamente em termos culturais, económicos, sociais, ambientais, e da participação e cidadania. As atividades culturais e criativas estão naturalmente marcadas pelo enraizamento territorial das suas dinâmicas, bem como pelas características dos recursos e dos processos que marcam a realidade dos territórios e das comunidades onde se desenvolvem. A compreensão da expressão territorial e das dinâmicas territoriais que incorporam o desenvolvimento das atividades culturais é uma componente essencial para perceber o(s) valor(es) que elas criam, na sua multidimensionalidade e diversidade, para todos aqueles que com elas interagem. Com efeito, a apreensão do valor das artes e da cultura no tecido social só pode ser vista a esta luz, compreendendo plenamente a relação de processos criativos e das dinâmicas culturais com as comunidades locais e seus territórios, mesmo que estes processos estejam ancorados em mecanismos económicos, sociais e simbólicos globalmente estruturados. Combinando e articulando trabalho desenvolvido em diversos projetos de investigação no DINAMIA’CET-iscte ao longo dos últimos anos (RESHAPE, ARTSBANK, IMPACTOS-ARTEMREDE, CREATOUR, e mais recentemente STRONGER PERIPHERIES), este artigo analisa as transformações contemporâneas nos processos de criação de valor e propõe uma nova abordagem conceptual e analítica para avaliar os impactos das atividades culturais num determinado território ou comunidade. O modelo analítico desenvolvido é operacionalizado através de uma ferramenta prática oferecida através de uma aplicação informática (a plataforma CULTURE.IMPACTS.DIY), a qual pode ser utilizada pelo agentes culturais e criativos (bem como responsáveis por políticas públicas) para (auto)avaliarem o valor criado pelas suas atividades, em toda a sua multidimensionalidade. Uma equipa de investigação multidisciplinar tem vindo a desenvolver nos últimos anos no DINAMIA'CET-iscte uma pesquisa que mobiliza e cruza o trabalho realizado nesses diferentes projetos de investigação, coproduzindo conhecimento com artistas, promotores culturais, agentes de turismo criativo e autoridades públicas, em diversos contextos territoriais, tanto a nível português como europeu. A metodologia de avaliação de impactos que foi desenvolvida e operacionalizada através desta ferramenta foi assim (co)construída com atores do campo cultural e criativo, e o objetivo é que ela possa ser usada de forma autónoma por agentes culturais e decisores políticos, e que estes se consciencializem da diversidade de fatores subjacentes à criação de valor e a multiplicidade dos impactos da sua atividade cultural e criativa na sociedade e nas suas comunidades específicas. Esta pesquisa foi prosseguida, no âmbito de cada um dos projetos de investigação acima referidos, de formas diversas, mas complementares. Em Portugal, o projeto CREATOUR permitiu co-desenhar e testar com uma diversidade de stakeholders um quadro conceptual e analítico destinado a medir os impactos de 40 iniciativas-piloto do turismo criativo no contexto particular de pequenas cidades e zonas rurais do país. A experiência revelou os desafios, oportunidades e constrangimentos patentes na diversidade de situações encontradas e a necessidade de desenvolver uma ferramenta qualitativa de autoavaliação que pudesse ser adaptável a uma diversidade de contextos. O desenvolvimento e adaptação desta grelha analítica a outros contextos, e em particular, a atividades culturais e criativas "independentes", foi possível com a colaboração de 8 "Reshapers" (artistas, curadores, gestores culturais), de toda a Europa, reunida no âmbito do projeto RESHAPE, no âmbito do programa Europa Criativa, para discutir o valor da arte no tecido social. Paralelamente a estes projetos, a ARTEMREDE, uma rede de 15 municípios em Portugal, que combina programação com formação cultural e trabalho orientado para a comunidade, tem estado a trabalhar com o DINAMIA’CET-iscte num projeto de avaliação do impacto das atividades das respetivas comunidades, estando aberta a testar novas abordagens e metodologias. Em paralelo, a exploração de outras metodologias, nomeadamente intervenções artísticas urbanas, para trabalhar com as comunidades na interpretação dos efeitos destas atividades nos territórios, tem sido efetuada no âmbito do projeto ARTSBANK. Num outro projeto em curso, também no âmbito do programa Europa Criativa, o “Stronger Peripheries: a Southern Coalition”, estamos neste momento a testar e aplicar a ferramenta desenvolvida nas atividades de 11 parceiros e redes em vários pontos do Sul e Leste da Europa. Combinando o trabalho desenvolvido nestes projetos, propomos um quadro de avaliação de impactos que compreende 5 dimensões principais para a avaliação dos impactos territoriais das atividades culturais: cultura, económica, social, ambiental; cidadania e participação. Estes são subdivididos em 15 subdimensões e operacionalizados em 75 indicadores diferentes. A transposição desta ferramentas de autoavaliação para a aplicação digital CULTURE.IMPACTS.DYI, que permite a sistematização, autoavaliação e autoconsciêncialização da criação de valor e dos seus impactos pelos agentes do setor cultural/criativo, foi efetuada recentemente e tem sido testada com alguns agentes do setor, sendo nesta apresentação exemplificados e discutidos alguns dos resultados já obtidos com a sua aplicação.

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