Comunicação em evento científico
"PODIA-SE FAZER MAIS”: A ADVOCACIA DE NEGÓCIOS NA (INTER)MEDIAÇÃO ENTRE EMPRESAS TRANSNACIONAIS E ESTADOS NO ÂMBITO DA PROMOÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS E DA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL E SOCIAL", d
Susana Santos (Santos, S.);
Título Evento
XV Congresso Luso-Afro-Brasileiro de Ciências Sociais "Reinventando a Democracia num mundo de inseguranças: desafios para as Ciências Sociais e Humanas"
Ano (publicação definitiva)
2023
Língua
Português
País
Cabo Verde
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Abstract/Resumo
A investigação em Ação Humanitária é por natureza dos problemas a que pretende responder interdisciplinar. Este texto pretende contribuir para a reflexão a partir da Sociologia do Direito combinando Direito Económico e Direito Humanitário e, em particular, dos estudos empíricos dedicados às mutações do capitalismo global com a imposição do neoliberalismo como narrativa hegemónica, a transnacionalização de instituições e agentes e dos seus efeitos à escala local. Para tal, faz-se uso de um conjunto de pesquisas desenvolvidas nos últimos anos sobre advocacia de negócios em ambiente transnacional interligando as práticas profissionais dos advogados para com os seus clientes, as comunidades onde estão espacialmente implementados e/ ou são afetadas pelas suas atividades, a responsabilidade social corporativa e as suas transformações a partir da incorporação dos objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e de governança ambiental, social e corporativa (ESG). O resumo está organizado em quatro pontos. Iniciamos com uma breve discussão sobre o papel dos estados-nação no quadro do direito internacional público, a sua interligação e margem de atuação face às instituições de carácter transnacional como as Nações Unidas e os tratados e convenções que dão forma a estas relações. No segundo ponto focamo-nos nas empresas transnacionais ou multinacionais , nas suas atividades de influência ao nível da decisão política e legislativa. No terceiro ponto apresentamos alguns dados empíricos, no quarto e último ponto apresentamos uma proposta de maior responsabilização das multinacionais nas atividades de ação humanitária ao nível da prevenção e remediação. Os estados são os principais agentes de cumprimento dos direitos humanos e os principais visados pelo direito internacional humanitário, tendo a obrigação de respeitar e fazer respeitar os direitos humanos dos seus cidadãos no seu território e de encontrar as formas necessárias de remediar e reparar as situações de violação desses mesmos direitos (Ribeiro, 2020). Enquanto signatários das convenções internacionais e membros ativos de organizações de carácter global como as Nações Unidas, o Banco Mundial ou regional como a União Europeia, a União Africana, a OCDE, entre outros, são agentes ativos do direito internacional numa época em que vão perdendo a sua capacidade de influencia e de ação política, denominada de crise do estado e vão competindo com novos agentes de caráter privado em clara ascensão como as empresas multinacionais ou transnacionais. Seja pela capacidade de gerar e acumular riqueza muito superior a muitos estados, pela forma como moldam as decisões políticas e económicas à escala global, pela complexificação das suas estruturas organizacionais e pela presença de agentes que circulam através de portas giratórias entre cargos de decisão política e atividades no setor privado. O realinhamento da importância das multinacionais face aos estados (Teubner, 2011, Rogowski, 2019) e, em particular, o aumento dos desequilíbrios à escala global tem sido refletido em diferentes iniciativas conduzidas pelas Nações Unidas, das quais se destaca o Global Compact que visa criar mecanismos de sustentabilidade empresarial a nível global, a partir de metas relativas aos objetivos de desenvolvimento sustentável apoiando-se sobretudo na consciencialização da opinião pública dos impactos sociais, económicos e ambientais das atividades empresariais. Esta estratégia tem-se revelado pouco mobilizadora e o seu caráter não vinculativo tem gerado um conjunto de perplexidades, como as estratégias de greenwashing e os potenciais perigos das emissões de dívida verde que mais não fazem do que reproduzir as assimetrias Norte -Sul, garantindo aos principais poluidores à escala global a continuidade das suas atividades. Noutra linha, os apoios financeiros desenvolvidos pela União Europeia e os EUA à transição energética das suas empresas têm gerado novas formas de protecionismo que excluem o Sul Global e as suas atividades empresariais potenciando os impactos negativos para o controlo e mitigação das alterações climáticas, levando ao incumprimento prematuro das decisões tomadas na COP27 realizada no Egito em novembro de 2022. Os mecanismos de resposta às crises, onde se incluem a crise climática e os seus efeitos no deslocamento em massa de populações, aumento da pobreza e crescimento exponencial da ação humanitária são outro fator de preocupação e crítica. O Banco Mundial e as Nações Unidas desenvolveram o Global Crises Response Platform que tem como objetivo a mobilização de capital privado na resposta a crises humanitárias, no eixo de reparação e reconstrução (Pinto, 2020: 113) que se tem revelado insuficiente. A intervenção do Banco Mundial é planeada para choques económicos com quebras superiores a 3% do PIB – onde se incluem desastres naturais e situações de emergência de saúde pública - que atuam apenas no momento posterior e não a partir de mecanismos de previsão e prevenção de crises. Além do mais “as verbas disponíveis dependem da nossa boa vontade e não da existência de um sistema mundial” (Pedroso, 2020: 127). Os direitos humanos são ainda colocados em segundo plano quando falamos de programas de ajustamento ou de austeridade desenvolvidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) e pelo Banco Mundial (BM). Estudos conduzidos por Abourhab e Cingranelli em 2006, 2007 e 2009 referentes aos programas de ajustamento de 131 países entre 1981 e 2003 mostram que os programas tiveram um impacto negativo nos direitos sociais e económicos, bem como nos direitos políticos de oposição ao governo, integridade física, prisão política e ausência de julgamento (Abourhab, 2014: 456). Os programas de ajustamento de um modo geral implicam a redução do apoio do estado a programas sociais numa lógica de poupança de recursos que têm maior impacto nos mais vulneráveis económica e socialmente, como os trabalhadores com baixos salários, as mulheres, as crianças e os idosos, pessoas com deficiência, os imigrantes e as minorias étnicas e/ ou racializadas, numa cadeia de interseccionalidade de desigualdades. No mesmo sentido, as opções por abrir cada país ao investimento estrangeiro implica a criação de nova legislação, muitas vezes utilizando modelos de transplante jurídico, adaptando ou transferindo institutos de um local para outro (Merry, 2014: 266), isto é, de integração na ordem jurídica nacional de um conjunto de normativos (inter)nacionais, como é o caso da arbitragem de negócios (Santos, 2014). A adoção de nova legislação tem um duplo efeito, por um lado, aumenta a atratibilidade do país ao facilitar a entrada de capital financeiro em diversos setores da economia, por outro lado, diminui a soberania política e jurídica do país nas suas decisões de política económica ao ver-se como mais um participante numa teia de interdependências em que o seu poder e capacidade de ação é muito limitado, seja porque as decisões em caso de litígio são tomadas noutras jurisdições, seja ainda porque os normativos a utilizar são exteriores à ordem jurídica nacional (Alter, 2021), seja porque a sua capacidade de negociação é extremamente limitada dado o contexto em que foi aceite, ou ainda porque junto da opinião pública defendeu-se uma solução (Santos, 2014) fragilizando a sua posição se se admitir o erro. Metodologicamente, o presente texto tem alicerces em dois projetos de investigação: Jovens advogados: instituições, educação e profissão num contexto global – 2018-2024, e; Os advogados de negócios e as grandes sociedades: práticas, identidades e culturas – 2014-2017 – financiados pela FCT. Foram conduzidas 25 entrevistas semiestruturadas e elaboradas histórias de vida com advogados/as de grandes escritórios em Lisboa e Maputo. O encontro entre culturas jurídicas potenciado por atividades de investimento é por vezes descrito pelos entrevistados como um encontrão que nos remete para o encontrão colonial com os advogados que representam antigas e novas potências imperiais e/ou regionais a imporem as suas regras e métodos de trabalho desvalorizando o conhecimento dos advogados locais e as especificidades de cada jurisdição. As fricções são descritas como “chegar e dizer como é que se tem que fazer” e “montar estruturas jurídicas sem respeito pela jurisdição nacional” que levam a situações de mal-estar entre as equipas. Os projetos de investimento internacional pela sua dimensão deixam marcas nos territórios e nas populações. Na opinião dos advogados contactados, o seu papel está muito limitado pela abertura demonstrada pelo cliente. Nos casos em que os investidores mostram abertura, os advogados podem ter uma componente pedagógica de incentivar o investidor a conhecer o território e a contribuir de forma socialmente responsável com a construção de infraestruturas sociais como hospitais e escolas e em capacitar através da formação e do emprego as populações locais. À boleia das ESG – Governança Ambiental, Social e Corporativa os advogados podem aconselhar os seus clientes a desenvolver atividades e investimentos de cariz social e ambiental com ganhos reputacionais ao nível global. No entanto, sem regras definidas e verificadas pelos estados ou por atores supranacionais, estas atividades, seja pelo volume como pela dimensão, são simbólicas (Santos, 2022) e com um efeito muito reduzido ou nulo nas comunidades locais. Referências: Alter, Karen (2021), “From Colonial to Multilateral International Law: A Global Capitalism and Law Investigation”, iCourts Working Papers nº 248. Rogowski, Ralf (2019), “Constitucionalização societal do direito trabalhista global”em Germano Schwartz e Renata Almeida da Costa (eds.) Sociologia do Direito em Movimento. Unilasalle, pp.145-170. Santos, Susana (2022). Pro Bono in Portugal. In / Scott L. Cummings, UCLA; Fabio de Sa e Silva, University of Oklahoma; Louise G. Trubek, University of Wisconsin, Madison. (Ed.), Global Pro Bono: Causes, Organization, Consequences. (pp. 413-445). Cambridge University Press.
Agradecimentos/Acknowledgements
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Palavras-chave
ação humanitária,ESG,ODS,direitos humanos