PTDC/2006/65857
Políticas de saúde e práticas terapêuticas: sofrimento e estratégias de cura dos migrantes na área da Grande Lisboa
Descrição

A vulnerabilidade é uma característica reconhecida socialmente como sendo comum aos grupos de migrantes. Os problemas de saúde são agravados por uma deficiente inserção comunitária, por níveis sociais e económicos mais baixos que o nível médio do país de acolhimento, por barreiras linguísticas e culturais, etc. Apesar do reconhecimento destas características gerais e de terem sido feitos esforços para a sensibilização desta população face aos riscos das doenças infecto-contagiosas (como a tuberculose, as hepatites e a SIDA), em Portugal não foi desenvolvida, até ao momento, uma reflexão antropológica aprofundada sobre o processo de encontro entre diferentes saberes e práticas da cura ligados a contextos históricos e culturais específicos, nem uma análise cuidada das oportunidade e dos riscos que derivam do pluralismo médico. A exigência de desenvolver uma reflexão acerca dos percursos de cura dos migrantes é particularmente forte numa área como Lisboa, cujo espaço urbano é também o espaço da coexistência de mundos e lógicas autónomas, campo de mudanças dramáticas, de graves contrastes sociais e lutas de poder, de novas dinâmicas identitárias, de formas imprevisíveis de subjectividade individual. Por um lado, os técnicos de saúde encontram-se cada dia mais envolvidos em situações onde está presente um gradiente de alteridade cultural que corre o risco de tornar inaplicáveis e inadequados os processos rotineiros de intervenção clínica, ou pelo menos de diminuir bastante a sua eficácia. Por outro lado, os migrantes encontram-se muitas vezes desorientados no confronto com uma "moral" biomédica - definidora de risco, doença, saúde e cura, e condicionante das representações e percepções do corpo - que muitas vezes para eles não tem sentido. Face à exigência de uma explicação, a impotência das interpretações da biomedicina é vivida pelos migrantes com desconforto. O projecto que propomos localiza no sofrimento, nas emoções e no descontentamento dos migrantes os objectos principais da sua reflexão: através destes conceitos indicamos não só a dimensão da doença, mas o mais amplo âmbito do mal-estar que junta os aspectos individuais com os mais amplos processos históricos, económicos e sociopolíticos. Procuraremos, assim, em primeiro lugar, explorar as conexões entre saúde e cultura na configuração da experiência de grupos sociais distintos e investigar os mecanismos através dos quais forças sociais como pobreza, racismo, diferenças de género, migração, herança colonial, políticas sanitárias, exclusão social, são incorporados como factores de risco e patologias. Em segundo lugar, delinear e explicitar as relações entre os diferentes níveis que incidem no processo de definição e construção da realidade do sofrimento dos migrantes, analisando as diferentes formas de perceber, definir, explicar e agir face à doença. Finalmente, investigaremos as problemáticas da mudança social e cultural que estas comunidades têm que enfrentar quotidianamente, em particular em relação ao âmbito da saúde pública, examinando os vários itinerários e comportamentos de procura de cura dos migrantes e explorando as dinâmicas do encontro entre utentes e agentes de cura. Analisar as complexas dimensões que constituem a experiência da aflição, significa também considerar as relações entre saúde, estratégias de resistência, lutas pelos direitos e pela inclusão social. A utilização que os migrantes fazem do próprio mal-estar é interessante também do ponto de vista político-económico: ao lado de uma crescente severidade e restrição nas políticas migratórias, regista-se um aumento significativo das autorizações de estadia temporária por motivos médicos. O corpo doente impõe-se à própria lógica legislativa, transformando-se num recurso inédito de legitimação para os migrantes irregulares. Neste sentido, o projecto tenciona considerar as utilizações tácticas do mal-estar pelos diferentes actores sociais envolvidos (médicos, utentes, familiares dos doentes). O terreno privilegiado será a área metropolitana da Grande Lisboa, com especial incidência em concelhos municipais significativos em termos da existência de populações migrantes. Ao mesmo tempo, para reconstruir histórias pessoais, percursos terapêuticos ou redes de significados que a experiência migratória pode ter posto em crise, contemplamos a possibilidade de trabalhar em terrenos diferentes, como por exemplo os contextos de origem dos migrantes ou outros países europeus que podem ser - pelas mais variadas razões - etapas importantes dos itinerários clínicos dos nossos interlocutores. Este trabalho etnográfico será realizado com a colaboração de alunos (mestrandos e doutorandos), preparados e supervisionados pelos investigadores doutorados. O papel fundamental será reservado para o encontro com os migrantes, os seus desejos, saberes, dúvidas, estratégias, enquanto acesso privilegiado para reconhecer dimensões "ocultas" e muitas vezes omitidas na literatura sobre o argumento, mas importantes para compreender o que acontece quando se passa uma fronteira.

Parceiros Internos
Centro de Investigação Grupo de Investigação Papel no Projeto Data de Início Data de Fim
CRIA-Iscte -- Parceiro 2007-09-01 2011-02-28
Parceiros Externos

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Equipa de Projeto
Nome Afiliação Papel no Projeto Data de Início Data de Fim
Chiara Gemma Pusseti -- Investigadora Responsável 2007-09-01 2011-02-28
Clara Carvalho Professora Associada (DCPPP); Investigadora Integrada (CEI-Iscte); Investigadora 2007-09-01 2011-02-28
Elsa Margarida Cabrita de Sousa Lechner -- Investigadora 2007-09-01 2011-02-28
Sílvia de Melo Olivença -- Investigadora 2010-01-01 2011-02-28
Financiamentos do Projeto
Código/Referência DOI do Financiamento Tipo de Financiamento Programa de Financiamento Valor Financiado (Global) Valor Financiado (Local) Data de Início Data de Fim
PTDC/2006/65857 -- Contrato Fundação para a Ciência e a Tecnologia, I.P. - PTDC/2006/65857 - Portugal 0 0 2007-09-01 2011-02-28
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Dados de Investigação Relacionados

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Referências nos Media Relacionadas

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Políticas de saúde e práticas terapêuticas: sofrimento e estratégias de cura dos migrantes na área da Grande Lisboa
2007-09-01
2011-02-28