Nos últimos 20 anos, emergiram na teoria social e na sociologia diferentes quadros teórico-metodológicos dedicados à análise e à sistematização da reflexividade. Autores tão variados quanto Giddens (1990), Archer (1996) ou Lahire (2002), por exemplo, debruçaram-se, cada um a seu modo, sobre como o agente humano se reflete em si mesmo com referência aos contextos sociais que o envolvem. Por um lado, o conceito de reflexividade foi mobilizado para perceber as capacidades dos agentes no contexto das transformações da modernidade avançada. Por outro, essa noção passou a integrar investigações empíricas orientadas à análise das lógicas de ação acionadas pelos indivíduos perante situações de crise capazes de alterar os rumos das suas biografias e trajetórias. Os ganhos dessas abordagens são evidentes para a sociologia, permitindo dizer que o conceito de reflexividade tem hoje estatuto analítico próprio e é fundamental para equalizar leituras dicotómicas que enfatizam ora a agência, ora a estrutura (Caetano, 2016). Embora as análises sobre a reflexividade tenham resultado em quadros teóricos importantes, uma leitura crítica revela que os modelos teóricos privilegiam tipos individuais cujas práticas expressam estilos de vida associados a classes sociais detentoras de níveis de capital económico ou cultural relativamente elevados. As análises habituais pouco têm dito sobre as maneiras por meio das quais indivíduos situados em condições sociais vulneráveis, como os trabalhadores precários, acionam competências reflexivas para se gerirem a si próprios e os habilitam a lidar com as adversidades que caracterizam os contextos de precariedade laboral em que estão inseridos. Essa proposta visa contribuir para ultrapassar essa lacuna. Com base em 53 entrevistas realizadas a trabalhadores precários em Portugal, conduzidas antes e durante a pandemia de Covid-19, é analisado o exercício da reflexividade em contexto de precariedade laboral, entendido enquanto um permanente estado de insegurança ontológica. O objetivo é identificar como os trabalhadores precários acionam competências reflexivas para lidar com as dificuldades a que estão submetidos no mercado de trabalho e como passam a monitorar as suas ações a partir da leitura que fazem do seu passado, do presente e do seu futuro.

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Insegurança ontológica,Precariedade,Reflexividade individual,Narrativas de vida