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Descrição Detalhada da Publicação
Migrações do século XXI e o conceito de superdiversidade - Aplicações para a prática
Título Livro
Serviço Social. Fundamentos, metodologia e contextos de intervenção
Ano (publicação definitiva)
2025
Língua
Português
País
Portugal
Mais Informação
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Abstract/Resumo
O eixo de análise deste capítulo é a superdiversidade e, embora seja definida mais adiante, antecipamos que este conceito está intimamente relacionado com os fluxos migratórios mais recentes, especificamente os ocorridos desde o início do século XXI. Sendo este o contexto de referência, a análise sobre as mudanças da sociedade contemporânea estará centrada nas grandes mobilidades humanas, não noutros aspetos que, sendo essenciais para compreender as sociedades complexas de hoje, escapam ao objetivo deste texto.
Os fluxos migratórios não foram sempre iguais nem em intensidade, nem em magnitude, embora se possa dizer que historicamente a principal causa para migrar esteja associada à melhoria das condições de vida, seja por razões económicas (Migration Data Portal, 2020; Castelló, 2008) ou pela procura de espaços mais seguros para subsistir (Parlamento Europeu, 2024).
Com o tempo, outras razões surgiram e configuraram o panorama internacional daquilo que hoje conhecemos como a sociedade contemporânea. Estas razões estão relacionadas com a melhoria da qualidade de vida no mundo em termos absolutos e a prosperidade socioeconómica sem precedentes, se analisada numa perspetiva histórica.
Não há dúvida de que o mundo é muito mais rico e próspero do que em séculos passados, e que a qualidade de vida melhorou significativamente. Basta comparar o século XIX ou o início do XX com estas duas primeiras décadas do XXI para compreender essa mudança. Se, em 1800, a esperança de vida era de cerca de 29 anos, em 1900 era de 31, e em 2019 de 72,6 (Dattani et al., 2023). Por outro lado, a alfabetização global em 1800 era de 12%, em 1900 de 21% e em 2019 de 86,5% da população mundial (Roser & Ortiz-Ospina, 2024). Analisando a pobreza extrema (pessoas que vivem com menos de $1,90 por dia), em 1800, mais de 80% da população era pobre; em 1900, aproximadamente 65%, e em 2019, apenas 9,2% da população mundial estava nesta situação (Hasell et al., 2022). A estes dados, podemos somar o acesso global à eletricidade (mais de 90% da população mundial em 2019) e a baixa mortalidade infantil (2,8% em 2019), sendo que 74% da população mundial tem acesso a água potável gerida de forma segura (Banco Mundial, 2023a, 2023b; OMS & UNICEF, 2021).
Estas novas configurações sociais do bem-estar (visto numa escala global e em retrospectiva) criam novas razões para migrar. Um exemplo disso é o aumento da população jovem em idade de trabalhar nos países de origem e o envelhecimento da população nos países de acolhimento (Castelló, 2008), que deu origem a inúmeras mudanças nas políticas migratórias dos países receptores, dependendo da necessidade de mão de obra em cada momento (Aruj, 2008). Junta-se a isto a redução dos custos de transporte, que permite maiores fluxos migratórios (de Haas, 2020) e a facilidade de comunicação com os familiares nos países de origem, que alterou as próprias dinâmicas e relações familiares e sociais dos imigrantes (Witteborn, 2019). Não podemos esquecer as razões ambientais, uma vez que desastres naturais e mudanças climáticas provocaram historicamente deslocações populacionais, e espera-se que as alterações climáticas intensifiquem as migrações no futuro (Parlamento Europeu, 2024). Existem também migrações por motivos de estudo, cada vez mais numerosas (Migration Data Portal, 2024), migrações forçadas em busca de proteção e asilo, que aumentaram significativamente na última década (Eurostat, 2024), migrações em idade de reforma com tendências em alta (Savaş et al., 2023) e o aumento do fenómeno dos nómadas digitais (Müller, 2016; Reichenberger, 2017), sobretudo após a pandemia da COVID-19 (Dreher & Triandafyllidou, 2023). Isto tudo sem contar com o turismo e o fenômeno global do alojamento local (Airbnb), que tem alterado as dinámicas socioeconómicas (e estéticas) das cidades.
Consequentemente, os fluxos migratórios no século XXI são, sem dúvida, mais intensos, dinâmicos, numerosos e motivados por razões muito mais diversas do que nos séculos anteriores, resultando em sociedades muito mais diversificadas do que no passado. Essa configuração faz com que as noções clássicas sobre diversidade, associadas sobretudo à ideia de diversidade cultural, não sejam suficientes para retratar a realidade contemporânea.
Agradecimentos/Acknowledgements
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Palavras-chave
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