Publicação em atas de evento científico
O professor com deficiência física: Análise de riscos e proposta de intervenção
Joana Marques (Marques, J.); Marta Monteiro (Monteiro, M.); Rafael Navega (Navega, R.); Rita Teixeira (Teixeira, R.); Sofia Alves (Alves, S.); Inês C. Sousa (Sousa, I. C.);
Proceedings CICOT2023: 6th International Congress on Working Conditions
Ano (publicação definitiva)
2023
Língua
Português
País
Portugal
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Abstract/Resumo
Enquadramento e principais objetivos do trabalho: O trabalho dos professores tem um valor incontestável devido ao contributo da educação para o desenvolvimento económico e social de qualquer nação. A profissão de professor é considerada de risco pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) desde a década de 80, em resultado das inúmeras mudanças sociais, culturais, políticas e económicas que ocorreram no século XX. Neste sentido, muitos investigadores têm-se debruçado na análise de riscos desta profissão, sobretudo os psicossociais, e no seu impacto para a saúde dos indivíduos (e.g., Carlotto, 2011; Chaiklieng & Suggaravetsiri, 2012; Rey-Merchán & López-Arquillos, 2022). No entanto, a crescente intensificação da atividade dos professores, as características das escolas e dos contextos comunitários em que estas se inserem e a multiplicidade dos aspetos individuais (e.g., idade, antiguidade, limitações físicas) contribuem para uma heterogénea e intrincada realidade profissional. É, por isso, crucial continuar a estudar esta função e a pluralidade das situações de trabalho, incluindo o grupo dos professores portadores de deficiência, muitas vezes negligenciado na discussão da saúde e segurança no trabalho. Assim, o objetivo deste trabalho é analisar os riscos do posto de trabalho de uma professora do Ensino Básico numa escola pública do distrito de Lisboa, portadora de deficiência física, recorrendo a uma abordagem centrada no trabalhador. O presente estudo pretende ser um contributo para a literatura, ao sublinhar a relevância dos fatores individuais para a perceção dos riscos ocupacionais, assim como informar políticas públicas sobre a conceção de postos de trabalho adaptados às necessidades e limitações dos professores nas escolas públicas portuguesas. Abordagem teórico-metodológica preconizada: Segundo Freitas (2022), a avaliação de riscos é um processo que, no âmbito da Segurança e Saúde no Trabalho, é utilizado para identificar e analisar os riscos a que determinado trabalhador está exposto no local de trabalho, tendo em consideração os perigos que lhe estão subjacentes. Neste trabalho, adotamos uma perspetiva psicológica, sociológica e cultural do risco, uma vez que são consideradas as experiências individuais na perceção do risco, mas estas são moldadas pelos significados sociais e valores culturais do meio em que o indivíduo se insere (Freitas, 2022). Para atingir o objetivo proposto, e considerando a necessidade de aplicação de um modelo participativo para a avaliação multidimensional de riscos, utilizaram-se dois métodos qualitativos: a entrevista e a observação. A entrevista semiestruturada com a trabalhadora teve duração aproximada de 2 horas e pretendia aceder à história pessoal e profissional da trabalhadora, assim como explorar a sua perceção sobre os riscos a que está exposta na escola. Após transcrição e uma primeira análise da entrevista, foi realizada a observação, cujo principal objetivo era confrontar as perceções da trabalhadora com a situação real de trabalho. A observação foi do tipo estruturada com uma grelha de observação elaborada a priori e, maioritariamente, não participante, para não interferir com a dinâmica normal do trabalho. Contudo, por vezes, recorreu-se à observação participante (e.g., esclarecer dúvidas com a trabalhadora). A trabalhadora é professora de Ensino Básico numa escola do distrito de Lisboa, tem 60 anos e é do sexo feminino. Tem uma licenciatura de Professores de Ensino Básico – Variante de Matemática e Ciências da Natureza, e uma Pós-Graduação em Gerontologia Aplicada – Vertente Social. A trabalhadora tem um Atestado Médico de Incapacidade Multiuso com 66% de invalidez, devido a atrofiamento muscular da perna direita e diagnóstico de espondilite anquilosante. Utiliza uma palmilha de 6,5 cm dentro da bota ortopédica para compensar a diferença entre as pernas, tendo o claudicar vindo a agravar ao longo dos anos. A deficiência é uma condição particularmente penosa para a trabalhadora, e ocasiona desafios específicos que diferenciam este posto de trabalho do de outros professores. Apresentação dos principais resultados: A análise de riscos permitiu a identificação de 19 riscos no trabalho desta professora portadora de deficiência física, assim como o nível de exposição e de consequências de cada risco. Neste resumo são destacados três riscos por apresentarem elevado nível de exposição e surgirem de forma combinada na realização de algumas tarefas. O risco de stress decorre, essencialmente, dos comportamentos disruptivos dos alunos: conversar em momentos inapropriados; levantarem-se, constantemente, sem pedir autorização; interrupções frequentes da aula devido a atrasos; o toque dos telemóveis; e as agressões verbais e físicas ao professor. A trabalhadora descreveu, durante a entrevista, um episódio de agressão verbal por parte de uma aluna, o que originou o aumento da tensão arterial e um ataque de ansiedade. O ritmo de trabalho acelerado, nomeadamente nos períodos de avaliação (e.g., correção de testes, lançamento de notas), é outro dos perigos que está na génese do risco em questão. O risco de queda em altura é consequência dos perigos de subir/descer várias escadas na sua deslocação entre os pavilhões da escola e da falta de corrimão num dos lados das escadas principais. A ausência deste corrimão é particularmente relevante para o desequilíbrio da trabalhadora que tem várias limitações a andar. A situação agrava-se pela existência de uma vala desprotegida, no espaço exterior, por onde escorre a água da chuva. Este risco pode ser considerado grave e muito grave, dependendo da altura da queda. Por último, o risco de fadiga física resulta do longo tempo que passa de pé, deslocações frequentes na sala de aula e entre pavilhões onde exerce funções, e da carga física decorrente do transporte dos materiais necessários ao desempenho da função (e.g., manuais escolares, computador pessoal – porque os da escola, normalmente, não funcionam corretamente –, e outros materiais). A trabalhadora é também responsável por acompanhar os alunos “em visitas de estudo, palestras ou outras atividades dinamizadas por outros departamentos ou grupos disciplinares”. Estas saídas do espaço escolar representam também um esforço acrescido para a trabalhadora, sobretudo em comparação com professores sem deficiência física, que resulta em elevada fadiga física. Por outro lado, a fadiga física é, na perspetiva da trabalhadora, acentuada pela fadiga mental, em virtude da quantidade de trabalho administrativo e burocrático que realiza: “(…) ter a obrigação de quase, diariamente, controlar o número de faltas dos alunos, para que não ultrapasse o limite de faltas injustificadas (...)”. Trata-se de um risco de nível grave, por ter como potencial consequência baixas médicas por incapacidade temporária. Discussão e principais conclusões: A proposta de intervenção foi elaborada tendo por base, em primeiro lugar, as queixas proferidas pela trabalhadora, que tem um papel central neste processo de análise de riscos, e em segundo lugar, o nível de gravidade do risco. De forma a reduzir o risco de stress e de fadiga psicológica, seria importante a disponibilização de acompanhamento psicológico à trabalhadora, através do acesso gratuito a consultas de psicologia fora do contexto escolar. Um possível obstáculo à implementação desta medida é o seu custo, tendo esta verba que ser contemplada no orçamento da escola já que se trata de um estabelecimento de educação da rede pública. Neste sentido, seria importante a sensibilização dos decisores para os enormes custos das organizações com absentismo e presentismo devido a problemas de saúde psicológica (Ordem dos Psicólogos Portugueses, 2023) e para a necessidade de adotar medidas de prevenção. Simultaneamente, propõe-se que os conselhos de turma contemplem um período de tempo para partilha de experiências sobre o comportamento dos alunos e para o planeamento de estratégias de gestão de comportamentos disruptivos, já que o suporte social dos colegas poderá contribuir para mitigar eventos stressores. Para minimizar os riscos de queda em altura e de fadiga física, é proposta a colocação de um corrimão na escada principal da escola, o que ajudará na mobilidade da trabalhadora; e a instalação de uma grelha de escoamento para cobrir a vala profunda e larga. Apesar dos custos associados a estas duas medidas, o seu benefício será transversal a todos os utilizadores da escola. A atribuição de uma sala fixa à trabalhadora permitirá a redução da fadiga física decorrente da constante troca de salas de aula e do transporte dos materiais, e também a redução da probabilidade do risco de queda em altura, já que não terá que subir/descer as escadas da escola com tanta frequência. Esta medida seria de fácil implementação uma vez que não existem custos associados. Este trabalho representa um importante contributo para a valorização da profissão de professor, através da análise de riscos e da elaboração de uma proposta de intervenção para a redução destes riscos.
Agradecimentos/Acknowledgements
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Palavras-chave
Análise de riscos,Proposta de intervenção,Professor,Deficiência física
  • Economia e Gestão - Ciências Sociais

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