Abstract
Desde que foi povoada a partir de finais da segunda década do século XV e até quase finais do século passado, no Porto Santo vigorou uma sociedade camponesa assente numa agricultura de sequeiro com ecossistema de tipo mediterrânico (cereais, vinho, gado). A configuração geológica da ilha favoreceu a extração de cal e derivados exportados para a Madeira. O trabalho nas pedreiras era uma ocupação que complementava o sustento da população. No século XX, o extrativismo envolveu mais georrecursos: água mineral (ca. 1920-ca. 1990) cimento Portland (1922-ca. 1940) e o “episódio pozolânico” (1937-1962), cujas ruínas me forneceram pretexto e contexto para o presente trabalho. Desde início de Novecentos, o clima contrastante com a ilha vizinha transforma o veraneio numa atividade extrativista de novo tipo. Desde então o turismo molda a sociedade e o território. A praia com as representações materiais e intangíveis que gera, tornou-se o principal recurso insular. Baseado num espólio documental familiar, em trabalho de campo, em arquivos institucionais e na minha memória de infância, ensaia-se uma reconstituição da vida social dos georrecursos insulares. As ruínas da unidade fabril da pozolana servem de dispositivo para regressão no tempo, originando um legado material e imaterial, que atualmente desafia a especulação imobiliária. Inspiro-me no projeto expositivo Weight and Measure (1992) do escultor Richard Serra para fixar os parâmetros duma cultura sensorial porto-santense vivida: temperatura, ruído e sazonalidade. Deles emergem os eixos narrativos que configuram a “segunda criação” (David E. Nye). Ela assenta numa periferização diferente da ilha, que já não decorre do duplo isolamento oceânico, como nos séculos passados. A atual condição periférica resulta de integração e da sujeição aos imperativos económicos externos,
ao passo que as potencialidades endógenas foram desacreditadas.